Você está preparado para envelhecer?
Pesquisa aponta que o brasileiro tem deixado a preparação para o envelhecimento para depois.
É fato: com a expectativa de vida do brasileiro beirando os 70 anos, nós teremos, em 2050, 43% da população com 50 anos ou mais.
Envelhecer está posto – salvaguardadas, claro, intercorrências. Mas você se prepara para quando estiver velho? Em que essa preparação consiste? Você tem medo de envelhecer? Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, apresentada no segundo encontro do “Diálogos da Longevidade”, promovido pelo Grupo Bradescos Seguros, aponta que as pessoas com mais de 50 anos estão se preparando para envelhecer mais que aquelas com 49 ou menos.
No entanto, João Macedo Coelho Filho, médico geriatra e professor titular de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que o envelhecimento é um processo que acontece tão logo nascemos, e que os efeitos do que ele chama de “prejuízos funcionais” já podem ser sentidos aos 30 anos. Então, por que pensar em envelhecer somente depois dos 50 anos?
Para Marília Viana Berzins, presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe), especialista em gerontologia, e doutora em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), não pensar no envelhecer passa por medos e pelo preconceito etário. A pesquisa revela, por exemplo, que os principais medos que os brasileiros com mais de 50 anos têm em relação ao envelhecimento são as mudanças no corpo e a falta de dinheiro, mais até que o medo da solidão.
Marília lembra que temos todo um aparato da indústria cosmética que pretende retardar os sinais de envelhecimento, enquanto ainda caminhamos a passos pequenos na disponibilização de serviços para terceira idade. “Raramente alguém se apresenta como idoso. Pelo contrário, nega a idade, reforça o mito da aparência. E não assume a identidade da velhice como um fator positivo, como uma conquista social, como uma etapa de vida. Se você perguntasse individualmente: vocês querem viver muito? Todo mundo quer, mas essas mesmas pessoas não querem envelhecer. Envelhecer ainda está associado a estereótipos negativos, como incapacidade, doença, pobreza e chatice. Fato que impede que as pessoas assumam que são velhas”, explica. A especialista em gerontologia é taxativa em apontar que o brasileiro, individual e coletivamente, não se prepara para ser velho.
Ela propõe que, além do exercício comum de questionar “o que serei quando crescer?”, incluamos desde sempre a pergunta “o que serei quando ficar velho?”. “Isso nos faria viver com essa perspectiva de que sim, vamos ficar velhos”, conta.
Essa perspectiva chegou cedo à vida da professora de yoga Isadora Lídia, 40. Formada em ciências sociais, com uma rotina intensa e estressante de atividades, ela se viu aos 26 com problemas na coluna que lhe incomodaram ao ponto de não permitir simples deslocamentos. Em busca das causas, encontrou o yoga e uma nova consciência sobre seu próprio corpo.
“Eu fui querendo me livrar de dores, do estresse e, no yoga, tive a compreensão de que eu precisava de uma mudança na minha percepção pessoal, da minha vida, da minha alimentação, do equilíbrio no trabalho e na vida emocional. Hoje, tenho essa compreensão de que pratico yoga e me cuido pra ter uma velhice tranquila”, retoma. Isadora, que deixou a profissão e se tornou professora de yoga há nove anos, conta que essa autoconsciência para o futuro é uma construção que começa agora.
O estalo para a profissional de tecnologia da informação Ana Paula Pimenta, 44, veio em muitas frentes. As mortes dos pais idosos, um divórcio e o cuidar do filho Arthur, 8, fez com que Ana tomasse consciência sobre o envelhecer e passasse a cuidar de si. Inseriu atividade física diária, corridas e pedaladas com os amigos nos fins de semana, e uma alimentação regrada. Em um ano e meio, perdeu 20 quilos. “Passei a cuidar da minha qualidade de vida, porque eu vislumbro ter uma velhice mais tranquila, menos sofrida do que foi a dos meus pais. E quero ter disposição de brincar ainda muito com meu filho”, resume. Tratou também de cuidar do emocional, do ciclo de amizades, das atividades de lazer.
Tanto Isadora como Ana fazem o que para o geriatra João Macedo é o caminho para o envelhecimento bem-sucedido: ficar na dualidade cuidar da saúde, com alimentação e exercício físico; e fazer reservas financeiras para o futuro. “Os estudos têm sinalizado a importância de determinados aspecto, como a espiritualidade, que não é necessariamente a religiosidade. E aí entra a meditação, que tem se mostrado importante, inclusive, na prevenção de doenças. Outro aspecto é a capacidade de manter-se integrado e estabelecer laços sociais, e aí se destaca a capacidade da pessoa idosa de interagir com os mais novos, se mantendo atualizado permanentemente e revendo valores”, ensina Macedo.
“A preparação para o envelhecimento funcional é um processo pessoal, mas há um grande autor que está ausente dessa discussão que é o Estado”, é o que acredita a presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe), Marília Viana Berzins. De acordo com a pesquisa do Instituto Locomotiva, 82% dos brasileiros desaprovam o modo como o governo trata as pessoas mais velhas no Brasil. Desaprovação chega a 87% entre o público de 50 anos ou mais.
Estruturar as cidades para que seja possível caminhar e se locomover e especializar e ampliar o atendimento de saúde para a população idosa são alguns dos pontos-base citados por Marília. Mas há mais.
Para a especialista em gerontologia, se o Brasil obedecesse o que já está descrito nos instrumento legais, o cuidado com o idoso já seria satisfatório. Ela cita a construção de centros-dia, “que não passa de 200 municípios que têm em toda a extensão do País”, a regulamentação da profissão de cuidador de idosos, “que está parada no Congresso Nacional desde 2006”, a construção de repúblicas para idosos, a existências de projetos de moradia com vagas direcionadas para idosos, e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujas regras estavam sendo alteradas na primeira proposta da reforma da Previdência.
“Envelhecer não pode ser problema social, e passará a ser se nós tivermos uma enorme parcela de brasileiros vivendo em condição de indigência, de pobreza, de exclusão social”, salienta Marília.
Com uma vida inteira dedicada a pensar o envelhecimento e desenvolver políticas voltadas à longevidade, o médico Alexandre Kalache vê com receio a derrocada das políticas públicas e do vigor de legislações brasileiras voltadas ao idoso num momento em que a população dessa faixa etária do País está em pleno crescimento. No segundo encontro do “Diálogos da Longevidade”, promovido pelo Grupo Bradescos Seguros, Kalache, que já atuou como diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é o atual presidente do Centro Internacional da Longevidade ano Brasil (ILC-BR) e da Aliança Global de Centros Internacionais da Longevidade, refletiu sobre a pesquisa do Instituto Locomotiva sobre o público de 50 anos e mais. Em entrevista dada com exclusividade ao O POVO, Kalache, que alcunhou o termo “envelhecimento ativo” e é autor do projeto Cidade Amiga do Idoso, presente em mais de 2,5 mil cidades pelo mundo, falou da superação de desigualdades sociais como caminho a uma vida idosa plena de direitos.
O POVO – A pesquisa aborda sobre os medos que se tem de envelhecer – questões como aparência, ter dinheiro para se manter e a solidão. O que esses medos falam sobre como o idoso é visto na nossa sociedade?
Alexandre Kalache – Existe ainda muito preconceito. Nós somos uma sociedade que enaltece a juventude, o medo vem daí. É uma atitude individual que é compartilhada socialmente, de que as pessoas têm muito medo de envelhecer em primeiro por perder o vigor que associa com o máximo da sua juventude, e evidentemente não se pode esperar que se tenha a mesma força muscular, a mesma rapidez aos 85, que você tinha aos 25. Mas você pode ter independência física e operacional. E o medo consiste em perder essa independência.
OP – O senhor se tornou responsável pelo programa mundial de Envelhecimento e Saúde da OMS em 1994. Em 25 anos, como o senhor acha que a tratativa de políticas, de serviços e do olhar da sociedade para com o idoso mudou?
Kalache – Existe uma grande mudança. Nós temos uma diferença de geração. As pessoas que hoje têm 80 anos, tinham 55, há 25 anos. Naturalmente isso vai levando a mudança de atitude e uma percepção daquilo que ainda não estava claro em 1995, que é a importância de você ter direitos – que são específicos da pessoa que envelhece, e diferem dos direitos dos mais jovens. Tanto que a grande batalha hoje nas Nações Unidas é para que se adote uma convenção dos direitos das pessoas idosas, assim como você tem convenções específicas das mulheres, dos imigrantes, das crianças. E ainda não temos uma convenção específica para o direitos dos idosos, em parte, porque ainda existe muito preconceito. E, em parte, por que somente agora está caindo a ficha que o grupo que mais cresce populacionalmente é o dos idosos.
OP – O brasileiro se prepara para envelhecer?
Kalache – Se prepara muito mal. Você não envelhece de repente. O envelhecimento é um processo universal, ele nos une a todos, é um curso de vida. E aí eu sempre repito o mantra: quanto mais cedo você se preparar para velhice, melhor. Mas nunca é tarde demais. Isso tem de ser repetido para que os jovens percebam que quanto mais cedo pensar que têm de se preparar para velhice, mais ganhos eles vão ter. Não começou aos 20? Começa aos 30. Não começou aos 30? Começa aos 40. Você sempre vai ter ganhos. Para se preparar para o envelhecimento é preciso acumular quatro capitais. Se acumular capital financeiro, pense também que você tem que acumular o capital de saúde, através de estilo de vida e comportamento mais saudáveis; você tem de aumentar o capital de conhecimento, porque a revolução tecnológica, nos obriga, é preciso estar sempre aprendendo; e você tem de cultivar o capital social, ter amigos, família, vizinhos, pessoas que lhe queiram e que cuidem de você se você ficar dependente.
OP – A gente vive realidades muito distintas no País em relação a acesso a políticas públicas. E isso fica claro inclusive nos percentuais de população idosa em cada região – sendo o Norte e Nordeste as regiões com menores percentuais. Como o Brasil pode se preparar para essa população que envelhece? E como essa preparação pode superar as barreiras regionais?
Kalache – Primeiro, preciso fazer um comentário sobre desigualdade. A desigualdade é muito séria. Nos últimos dois anos, os 20% mais pobres da população perderam 5% da renda per capita, eles se tornaram mais pobres. Os 10% mais ricos aumentaram sua renda em 11%. Se nós já éramos desiguais, nós ficamos ainda mais. E isso para todas as idades. Então, fica uma repartição do bolo muito desigual e isso afeta, sobretudo, os grupos mais vulneráveis, e é onde ficam os idosos. Aí entram os nordestinos. Quando a gente fala que a expectativa de vida nos estados do Nordeste é mais baixa do que nos estados do Sul e do Sudeste, é fato. Em Santa Catarina, a expectativa de vida já atingiu 80 anos. No Norte e no Nordeste existem estados que não chegam a 70 anos. A vida é muito mais curta, e você envelhece mais cedo, você não tem a mesma capacidade vital no interior árido, na pobreza em que se vive a vida inteira desnutrido, sem água potável, sem esgoto, trabalhando duro, com sistema ósseo-muscular massacrado. Quando se chega aos 60, você não se compara a aquele que tem 80 num ambiente rico de estados do Sul. Então, envelhecimento é uma coisa relativa também, não é só cronológica. Infelizmente, a gente tem um Estatuto do Idosos, que no papel é muito bom, mas na prática não é aplicado. A Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas Idosas, que era para ocorrer no fim deste ano não vai receber ajuda do Governo Federal e isso vai se replicar a nível estadual e municipal. Já estava ruim e vai pior.
DOMITILA ANDRADE
Fonte: https://www.opovo.com.br/jornal/cienciaesaude/2019/06/21/voce-esta-preparado-para--en-ve-lhe-cer.html